Muito provavelmente, o que mais me irrita na velhice, é o tanto de coisas que a gente aprende sobre si mesmo que, quando as aprendemos, não nos ajudam mais em muita coisa, mas que seriam de grande valia em nossas juventudes.
Por exemplo: teria me poupado um tempão entender, como hoje entendo, que por mais que eu ame estudar eu nunca fui e, por mais que só fizesse isso da vida, eu não seria um cientista! Hoje em dia eu entendo que gostar de ciência não significa gostar de ser cientista!
E isso não é uma característica minha. Isso é uma característica que compartilho como todo e qualquer ser humano e com a própria humanidade: estudar muito não transforma ninguém em cientista.
São coisas completamente diferentes, e de maneira alguma tem que sempre andar juntas!
Gostar de estudar significa gostar de absorver conhecimento. Gostar de pesquisar significa gostar de criar conhecimento científico!
Você pode estudar para usar o que aprende na sua vida, você pode querer estudar para aplicar seu conhecimento em seu emprego, você pode querer estudar para repassar esse conhecimento para as outras pessoas, e você pode querer estudar para gerar outras espécies, igualmente válidas, de conhecimento.
Você pode, inclusive, fazer isso lendo artigos e textos científicos, ser um grande entusiasta da ciência e da pesquisa científica, dedicar sua vida inteira ao estudo da ciência e à criação de novos conhecimentos muito legais a respeito da própria sem jamais, nunca, ser cientista.
Quando você faz pesquisa, você estuda com a intenção de descobrir se uma hipótese é ou não verdadeira. Você abre um livro procurando a resposta, ou a indicação de resposta, para uma pergunta!
Quando você faz pesquisa científica, você faz isso buscando argumentos que te ajudem a comprovar, cientificamente, uma hipótese.
Mas, ainda que você que você abra um livro para te ajudar a comprovar uma hipótese, ou demonstrar uma tese, não necessariamente você está fazendo ciência ou sendo cientista!
Eu mesmo, todo dia, abro livros diferentes procurando argumentos que me ajudem a comprovar para um juiz a hipótese de que meu cliente não deve ser condenado!
Mas só estaria fazendo ciência se eu quisesse comprovar que é possível demonstrar, através do método científico, não para o juiz, mas para a comunidade científica, ser verdade a hipótese de que meu cliente é inocente!
Ser cientista não é sinônimo de ser estudioso. É sinônimo de estudar com a intenção de criar ciência! Só é cientista quem se dedica ao trabalho de demonstrar cientificamente, para os outros cientistas, que através da metodologia do trabalho científico, podemos considerar verdadeira ou falsa uma hipótese, acerca de um fenômeno observável cientificamente.
Aliás, é muito raro que a resposta de um trabalho científico te diga que uma hipótese é, necessariamente, não verdadeira. Geralmente ela só te diz que não poder ser considerada verdadeira pela ciência.
Se a sua hipótese é que o Pedrinho é um babaca, o máximo que ela vai te dizer é que você não pode afirmar, cientificamente, que ele seja, e ela nem vai te dizer isso no momento em que concluir sua pesquisa! Ela vai te dizer isso não te permitindo, sequer, realizar essa pesquisa!
Mesmo que ele seja assumidamente fã do Elon Munsk, e todos os cientistas do mundo concordem com você que ele é, definitivamente, um babaca, ninguém vai conseguir te ajudar a criar uma método para comprovar, cientificamente, a babaquice do Pedrinho!
Também não é verdade que para afirmar categoricamente, absolutamente qualquer coisa, você precise demonstrá-la cientificamente!
É fato que ele é um babaca, e você pode comprovar isso de várias outras formas com, por exemplo, mostrando para todo mundo o poster do Elon Munsk na parede do quarto do Pedrinho, e a carteira de identidade dele mostrando que ele já tem 45 anos.
Isso quer dizer que, algumas coisas, não são objeto de estudo da ciência. A ciência não pode, por exemplo, comprovar conceitos, criar juízos ou demonstrar valores!
Você pode estudar cientificamente, e comprovar, que a enorme maioria, ou a totalidade das pessoas de uma determinada comunidade acreditem que ser fã do Elon Munsk é babaquice, mas jamais será capaz de confirmar, cientificamente, se é essa crença é verdadeira ou falsa, a menos que você, arbitrariamente, escolha o que a ciência deve entender como babaquice.
Você pode comprovar cientificamente que mamíferos, sempre, se reproduzem de maneira sexuada, e que sempre é necessário que um desses mamíferos possua um cromossomo Y, que lhe possibilita transformar suas gônadas em testículos, e que o outro tenha dois cromossomos X, para ser capaz de evitar a degeneração de seus ovários.
Mas a ciência não é capaz de demonstrar que, para que um mamífero seja considerado homem, mulher, macho ou fêmea, seja possuidor de qualquer dessas coisas, a menos que tenha sido escolhido o que a ciência deve chamar de homem, mulher, macho ou fêmea.
Aliás, a ciência não é nem mesmo capaz de demonstrar qual deve ser a definição do que é um mamífero!
Quando se diz que o conceito científico de uma coisa, ou a definição científica de outra coisa, é uma ou outra, não se está dizendo que esse conceito seja um conceito criado ou demonstrado pela ciência, mas sim que é o conceito que a comunidade de cientistas adota para essas coisas!
A definição científica de cavalo não é resultado de pesquisa científica, mas sim a decisão dos cientistas de chamar de cavalo tudo aquilo que possui uma determinada quantidade de características, e que não possui algumas outras, que escolhemos serem necessárias ou proibitivas para se chamar alguma coisa de cavalo.
Se resolverem que, amanhã, além das características que possui um cavalo, a definição científica de cavalo também depende de que ele seja capaz de fritar um bolinho, cavalos deixam de existir.
Não estou dizendo que os bichinhos vão todos morrer na mesma hora, somente que não vai sobrar nada no mundo que a ciência entenda como cavalo.
Em outras palavras, a ciência não cria qualquer definição, ela as usa, porque ciência não cria absolutamente nada, ela descreve coisas que existem independentemente de serem descritas por ela.
Absolutamente qualquer definição é, necessariamente, arbitrária!