A confissão espontânea sempre é benéfica ao réu?

No âmbito do senso comum, é constantemente propagada a noção de que a confissão, em matéria criminal, configure sempre como um benefício ao acusado. Não raramente, acredita-se que basta confessar a prática de um crime para que o benefício concernente à redução da pena seja imediatamente concedido. Afinal, é expressamente consignado no art. 65 do Código Penal as circunstâncias que sempre atenuam a pena, dentre as quais se encontra a hipótese da confissão em seu inciso III, alínea ‘d’.

No entanto, nem sempre a confissão judicial ensejará a aplicação do benefício. Na realidade, em determinadas situações a confissão pode não somente se mostrar inócua – pela não redução da pena – como também prejudicar o indivíduo ao reforçar os fundamentos para a sua condenação.

Isso advém das regras e métodos concernentes à dosimetria da pena, isso é, do dos parâmetros normativos para o arbitramento da pena. Mais precisamente, o problema acerca da confissão produzir ou não efeitos positivos ao réu consiste na interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça às regras de dimensionamento da pena.

A Corte Superior, em 1984, firmou o entendimento até então consolidado no que se refere à aplicação das circunstâncias atenuantes a partir da Súmula 231: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.

Ocorre que a partir de tal entendimento, ainda que o réu confesse a prática delitiva, a depender da forma como o magistrado fixou a pena na primeira fase da dosimetria fica impedida a aplicação do benefício.

Os parâmetros normativos para a fixação da pena que são interpretados de maneira, no mínimo, questionável e que sustentam a súmula 231 do STJ são aqueles estabelecidos no art. 68 do Código Penal que assim preceitua:

Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento

Note-se que o mencionado artigo estabelece um método que o magistrado deve seguir no momento de aplicação da pena. Trata-se de expressa adoção pelo Código do modelo trifásico de dosimetria formulado pelo jurista Nelson Hungria, o qual consiste em:

  • primeira fase: são analisadas as circunstâncias judiciais do art. 59;

  • segunda fase: é verificada a incidência de circunstâncias atenuantes e agravantes;

  • é analisada a incidência de causas de aumento e diminuição da pena.

Nesse sentido, seguindo-se o referido método, ao analisar as circunstâncias do art. 59 na primeira fase da dosimetria, o juiz poderá fixar a pena no patamar mínimo. É exatamente neste caso em que, ainda que o réu tenha confessado, não fará jus à aplicação da diminuição da pena em razão da vedação constante da Súmula 231 do STJ. Isso porque as circunstâncias atenuantes como é o caso da confissão somente são analisados na segunda fase.

Dessa forma, embora a confissão espontânea seja um direito subjetivo do réu, inclusive previsto legalmente, eis que o art. 65 do Código Penal estabelece de maneira expressa a obrigatoriedade de tal benefício, a súmula 231 do STJ impõe obstáculos à incidência da circunstância atenuante.

Assim, a incidência do benefício situa-se em um contexto de insegurança e incertezas, uma vez que dependerá da forma em que o magistrado fixar a pena na primeira fase quando da análise das circunstâncias do art. 59 do Código Penal.

Por evidente, é possível reduzir os ricos de se obter uma confissão sem efeitos positivos a partir de uma análise precisa das particularidades do caso concreto. Contudo, como se percebe, nem sempre a confissão será benéfica ao réu.

Ademais, convém destacar que recentemente a terceira seção do STJ, notadamente a partir dos esforços do eminente Ministro Rogério Schietti Cruz, tem questionado os fundamentos da súmula 231 da Corte Superior, sendo realizadas audiências públicas a fim de discutir a sua revisão.

Dentre os argumentos que questionavam a referida súmula podem-se citar a interpretação do artigo 68 do Código Penal como método e não como fixação de limites para a quantidade de aplicada, a violação aos princípios da legalidade, tendo em vista a previsão expressa de que as circunstâncias do art. 65 do Código Penal sempre atenuam a pena e a violação ao princípio da individualização da pena.

Assim, ao que parece, a tendência é que a Corte Superior modifique o entendimento da súmula 231 por não haver conformidade com o sistema de garantias previsto na Constituição. No entanto, até que não seja modificado tal entendimento, a atenuante da confissão espontânea continuará a não ser aplicada em diversos casos, sendo, portanto, imprevisível a sua produção de efeitos positivos.