Se o Ministério Público recorrer da minha absolvição, eu vou ser preso?

mp-recorrer-absolvicao.jpg

Essa é uma pergunta que todo Advogado Criminal ouve com frequência. A situação normalmente é a seguinte: o indivíduo é réu em uma ação penal e respondeu ao processo em liberdade. Seu Advogado Criminal então lhe informa que ele foi absolvido pelo juiz, mas o Ministério Público discordou da decisão e recorreu ao tribunal. “E aí? O tribunal vai me prender agora?”.

Normalmente não.

Essa situação é relativamente simples de explicar, mas é muito confundida com outras mais complexas.

A regra geral

Trocando em miúdos, a regra do sistema jurídico é a seguinte: a pessoa responde ao processo penal em liberdade. Só não responde assim quem representa alguma forma de perigo à sociedade. Se representar, ele fica preso preventivamente.

Falamos preventivamente porque o processo ainda não terá acabado. Quando acabar, se houver pena de prisão, ela será “definitiva” e não “preventiva”.

Claro que estamos trabalhando aqui com o modelo de como as coisas devem funcionar. Por hora, vamos deixar de lado a chuva de absurdos que um Advogado Criminal observa no seu dia a dia.

Então, quando essa regra sobre a prisão preventiva é observada no decorrer da ação penal, o cidadão responde em liberdade. E se no momento da sentença ele ainda está solto, é porque essa liberdade não trouxe qualquer perigo à ordem pública (por mais abrangente que esse conceito possa ser).

O processo deveria terminar com a sentença do Juiz, mas quando o Ministério Público recorre, é como se a Ação Penal continuasse, e com isso a regra sobre a liberdade do acusado também continua.

Veja bem: se até aquele momento o réu não era perigoso solto, porque passaria ser com a sentença? Ainda mais uma sentença absolutória!?

O Ministério Público pode até pedir novamente a prisão preventiva do acusado, mas vai se basear em um fato novo; um argumento que não tenha sido analisado. Caso contrário, é pouco provável que o Tribunal subitamente mude um entendimento que durou durante todo processo de primeira instância.

Aliás, com o entendimento atual de que a prisão só pode ser executada após a condenação em última instância, o Advogado Criminal espera sempre que seu cliente permaneça solto até que o último recurso, na última instância, tenha sido julgado, ainda que qualquer decisão na caminhada do processo venha a considera-lo culpado.

Mas podem existir exceções?

Como dissemos, o Ministério Público pode, a qualquer momento, fazer um novo pedido de prisão. Não é o que acontece usualmente e também não é um efeito automático de qualquer recurso que possa ser apresentado pela acusação.

É certamente uma exceção. E além de excepcional, depende da concordância do Tribunal. Lembre-se que ele, o Tribunal, pode muito bem discordar do MP e manter a liberdade.

Outra exceção à regra de responder ao processo em liberdade, e que é confundida com a situação que explicamos aqui, pode ocorrer nos processos do Tribunal do Júri.  Vale comentar.

O art. 492, parágrafo 4º, do Código de Processo Penal, fala que a “apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo”.

A situação aqui é ligeiramente diferente da que propusemos discutir no início. O acusado do artigo 492 está recebendo uma sentença condenatória e não absolutória, como no nosso exemplo original. De toda forma, é exceção explícita ao direito de responder em liberdade até a última decisão.

O Réu que recebe do Tribunal do Júri uma pena de reclusão maior que 15 anos, tem aquela regra geral invertida: ele DEVERÁ ser recolhido à prisão. Não o será, EXCEPCIONALMENTE, se o recurso não estiver sendo usado para i)“atrasar o processo”; e ii) desde que a questão trazida no recurso tenha “capacidade” de levar à absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena.

Demonstrar essa capacidade ou comprovar que o recurso não é para atrasar o processo, fica sendo uma tarefa muito difícil para o Advogado Criminal.

Temos aqui uma exceção clara à regra que estabelecemos anteriormente, mas ela se restringe aos crimes sujeitos ao Tribunal do Júri: crimes dolosos, tentados ou consumados, contra a vida. O homicídio, por exemplo.

Quando o réu já está preso é diferente?

Antes falávamos sobre o réu que responde em liberdade. Uma situação muito diferente é daquela pessoa que está presa preventivamente, é absolvida na sentença, mas o MP recorre. Ela continua presa ou é solta?

O cotidiano do Advogado Criminal nos permite saber que, quando uma sentença absolutória é proferida, o Juiz imediatamente manda colocar o acusado em liberdade (de novo, vamos ignorar os absurdos e os erros materiais).

Caso haja motivo para que o réu permaneça preso enquanto responde ao recurso, o Ministério Público deverá fundamentar esse pedido. Porém, isso deve ser entendido como exceção.

A liberdade é um valor fundamental e cada segundo preso deve acontecer dentro do limite do absolutamente necessário.

Essa regra é tão importante que se entendeu por bem registrá-la no artigo 596, do Código de Processo Penal: “A apelação da sentença absolutória não impedirá que o réu seja posto imediatamente em liberdade”. Não era necessário. A regra geral já permitia esse entendimento.

E no caso dos militares?

Mas essa determinação expressa ajuda a perceber uma diferença importante em relação ao regime dos militares.

Para os militares, a lei (art. 532 do CPPM) estabelece uma exceção na qual o recurso de apelação impede a liberação do acusado. Esta regra é um pouco mais complicada. Atenção aqui!

O réu absolvido não será posto em liberdade, caso o crime, pelo qual foi acusado, tenha uma pena máxima de reclusão igual ou superior a 20 anos.  Além disso, a sentença absolutória não pode ter sido unânime (lembre-se que, desde a primeira instância da Justiça Militar, são vários julgadores que decidem cada caso).

Em resumo, se o indivíduo for militar, e estava preso durante o processo, a regra que aprendemos sobre “soberania da liberdade” encontra mais essa exceção.

No fim das contas, o que devo esperar de um recurso do Ministério Público?

Estes são os casos mais frequentes que podem trazer dúvida sobre a consequência do recurso interposto pelo Ministério Público, em relação a uma pessoa processada criminalmente.

Se fossemos resumir a regra geral para facilitar a lembrança, ficaria mais ou menos assim: se a sentença absolveu, fica solto quem já estava solto e se solta quem está preso. A situação só muda se o Ministério Público tiver uma boa justificativa para prender, ou se o Tribunal reformar a sentença para condenar o réu.

Pelas exceções quem trouxemos devem se preocupar os acusados que: representarem perigo à ordem pública, cometerem crimes de competência da Justiça Militar ou do Tribunal do Júri.

Na dúvida, um Advogado Criminal pode sempre dar uma orientação mais específica ao processo.

Afinal, vimos que os casos concretos podem trazer algumas particularidades capazes de desviar o processo do seu curso habitual. Por isso é muito comum ouvir que Advogado Criminal não pode dar certeza de nada no processo. Essa é realmente uma postura muito sensata.

Não nos impede, porém, de criar projeções plausíveis a partir de nossas experiências passadas e muito menos de esperarmos, sinceramente, o cenário menos desagradável para nossos clientes.