Achado não é roubado?

O velho ditado popular “achado não é roubado”, já incorporado no dia a dia dos brasileiros, é frequentemente utilizado para justificar a manutenção da posse de objetos encontrados sem consentimento do proprietário original.

No entanto, analisando as repercussões dessa premissa sob a perspectiva do Direito Criminal, a discussão sobre o tema pode tomar rumos mais complexos do que parece à primeira vista.

Diferente do que sugere o imaginário popular, o ato de encontrar um objeto perdido e decidir mantê-lo não está isento de consequências jurídicas, ainda que a conduta não seja tecnicamente configurada como roubo. Para compreender plenamente a questão, é necessário examinar os dispositivos legais que tratam dos crimes contra o patrimônio.

Diante da necessidade de tutelar o direito à propriedade, o Código Penal Brasileiro cuidou de disciplinar a questão em seu artigo 169, parágrafo único, inciso II, tipificando a conduta de “apropriação de coisa achada”:

Apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza

Art. 169 - Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Na mesma pena incorre:

Apropriação de coisa achada

II - quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de quinze dias.

De acordo com a lei penal, aquele que encontra coisa alheia perdida e decide dele se apropriar tem o dever legal de, em até quinze dias, entregá-lo às autoridades, para que se possa proceder às devidas investigações e averiguar o real proprietário do bem. Caso decorra esse prazo sem a adoção das devidas providências, o agente estará sujeito à pena de até um ano de detenção, ou multa.

O que, exatamente, é uma “coisa alheia perdida”?

Trata-se de um bem móvel que saiu da esfera de proteção ou disponibilidade do proprietário/possuidor por circunstâncias alheias à sua vontade, e que, em virtude das circunstâncias de tempo e lugar em que saiu de sua vigilância, não pode ser recuperado.

Exemplo disso é quando o indivíduo encontra uma carteira na rua, sem ninguém por perto, e decide dela se apropriar, sem buscar restituí-la ao proprietário ou entregá-la à autoridade competente no prazo previsto em lei.

Se, por outro lado, o bem ainda está sob a esfera de proteção da vítima, mas ela não percebe tê-lo perdido, então a eventual subtração desse objeto não mais se enquadrará no delito previsto no art. 169, II, do Código Penal, mas, sim, no crime de furto (art. 155 do Código Penal), cuja pena é mais grave e pode atingir até quatros anos de reclusão.

É o caso de uma pessoa que está em um bar e, inadvertidamente, deixa seu celular sobre a mesa ao se levantar para cumprimentar um conhecido. Um observador atento nota a distração da vítima e aguarda o momento oportuno para subtrair o celular quando ninguém está olhando.

Furto

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

De toda forma, importa ressaltar que o mero ato de encontrar um objeto perdido e levá-lo consigo momentaneamente não constitui crime!

Por se tratar de um crime a prazo - isto é, que exige o decurso de um tempo determinado para se consumar -, o delito só restará configurado caso o agente decida subtrair o bem e mantê-lo consigo sem a intenção de devolver ao proprietário ou levar à autoridade competente.

Para além de assegurar o respeito ao direito à propriedade, o artigo 1.234 do Código Civil prevê que aquele que restitui a coisa achada receba recompensa não inferior a cinco por cento do seu valor, e à indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa, se o dono não preferir abandoná-la.