Publicar vídeo editado é crime?

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Em época de eleição, parece ser uma estratégia recorrente a utilização de vídeos e discursos do adversário político, em benefício próprio. Mas a necessidade de se aproveitar melhor de cada situação ou de buscar um ponto para atacar o adversário pode levar certas pessoas a manipular o material à disposição.

No artigo de hoje vamos entender as possíveis consequências criminais de manipular um vídeo para utilizá-lo em uma campanha eleitoral.

Qual é o crime em questão?

A edição e publicação de conteúdo audiovisual pode constituir uma série de ilícitos de diversas naturezas. Mas é o ilícito criminal que verdadeiramente nos interessa.

No campo do criminal, a imputação mais frequente é pelo crime de difamação (art. 139 do Código Penal). A pena prevista é a detenção, de três meses a um ano e multa. Contudo, as circunstâncias podem trazer a concorrência de outros crimes, o que pode aumentar o tempo da condenação.

Além disso, caso o cidadão seja condenado por difamação nesse contexto de disputa eleitoral, é bem provável que haja repercussões de cunho indenizatório e eleitoral.

A intenção importa

Ainda que as repercussões jurídicas elencadas acima sejam todas possíveis, isso não quer dizer que toda edição de vídeo seja ilegal ou criminosa. Mesmo se feita no contexto das disputas políticas, por um candidato contra o outro, sem a autorização deste, não será necessariamente um crime.

O Supremo Tribunal Federal, em decisão recente (STF. 1ª Turma. AP 1021/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 18/8/2020) de situação semelhante à que trazemos aqui, foi incisivo em afirmar que o crime de difamação depende essencialmente da intenção do agente na realização da alteração do vídeo.

E mais do que na fase de edição do vídeo, a intenção do agente é importante em todas as fases entre a seleção do vídeo original, até a publicação de uma versão editada.

Em primeiro lugar, porque o autor da conduta deve conhecer o conteúdo do material original ou pelo menos entender o seu contexto. Também deve ter ciência de que houve uma alteração desse conteúdo, através da edição, e que essa edição distorceu, de alguma forma, o mérito do que se pretendeu expressar na mídia. Por fim, a publicação do material deve ser feita, pelo menos, com a licença do autor.

Em outras palavras, esse tipo de crime, que nós, Advogados Criminalistas, chamamos de crime de ação múltipla, surge a partir da reunião de comportamentos de alguma forma direcionados ao resultado potencialmente ofensivo à honra da vítima. A intenção segue a mesma lógica – é o que chamamos de animus difamandi ­- e precisa estar presente em cada uma dessas ações parcelares.

A presença da intenção de ferir a honra do outro, quando serve para constituir o crime, afasta teses defensivas, como a alegação de que o vídeo foi alterado apenas para deixa-lo menor, ou o animus narrandi, que, neste caso, é a intenção de publicar algum material apenas para divulgar um acontecimento. 

E a liberdade de expressão?

Outra questão que é sempre levantada em sede defensiva é que um dado vídeo utilizado em campanha política esteja protegido pela liberdade de expressão.

A questão de liberdade de expressão é sempre complicada dentro do Direito. Isso porque é um daqueles direitos essenciais que, quando absolutamente suprimidos, representam a morte do próprio Direito e até da democracia. Mas ainda assim não é um direito absoluto. Deve ser ponderado, flexibilizado e dosado em conformidade com outros direitos e com o caso concreto.

Frente a tal necessidade é que os tribunais costumam a estabelecer critérios, o quão objetivos quanto possíveis, para a ponderação.

O Supremo Tribunal Federal abordou expressamente essa questão. A edição feita com a específica e clara intenção de atacar a honra do outro indivíduo, na percepção definitiva do STF, ultrapassa os limites da liberdade de expressão. Por conseguinte, autoriza o Estado a punir seu autor.

A imunidade parlamentar não acoberta

No meio político, não são só apoiadores ou aspirantes a cargos públicos que se ocupam de buscar formas criativas de denegrir a imagem alheia.

Quando esses inventores mal intencionados são também membros do poder legislativo, é comum que busquem guarida nas imunidades que encobrem a função. É o caso da imunidade parlamentar dos art. 53 a 56 da Constituição Federal.

Por isso, o STF - voltando ao caso que trouxemos acima - estabeleceu um limite claro para o gozo da Imunidade Parlamentar, em relação à questão de divulgação de material difamatório: “A liberdade de opinião e manifestação do parlamentar, ratione muneris (em razão do cargo), possui imunidade material, mas isso nos limites estritamente necessários à defesa do mandato contra o arbítrio, à luz do princípio republicano que norteia a Constituição Federal”.

Ou seja, aquela esfera de liberdade de opinião que já explicamos pode até ser mais ampla em se tratando da função de um parlamentar. Mas ainda assim, ela precisa estar ligada ao cargo.

A edição e publicação de vídeos com comprovada intenção difamatória, em razão da vontade evidentemente delituosa, foge do limite de “defesa do mandato”, segundo o entender do Supremo Tribunal Federal.

Em resumo, a época de disputa eleitoral é quando as divergências políticas vem à tona pelos meios mais agressivos de resgate do passado e crítica à imagem alheia. É preciso que os participantes desse jogo entendam bem suas regras.

E como não são só as leis que ditam tais regras, mas também os tribunais e as práticas jurídicas, é sempre mandatório que se tenha uma assessoria jurídica experiente, atualizada e assídua. Convém passar por ela todo material de divulgação eleitoral. É o melhor – e talvez único – caminho, para se evitar surpresas durante uma campanha, especialmente aquelas que facilmente se traduzem em punições judiciais.