É crime sair de casa com o Coronavírus?

Diante do cenário de pandemia decorrente da rápida disseminação e propagação do COVID-19, diversos países têm tomado medidas drásticas para a contenção do vírus. Dentre essas medidas, incluem-se aquelas de caráter penal, que impõem a aplicação de penas – de multa ou prisão – para aqueles que descumprirem determinações do poder público.

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Considerando o gravíssimo quadro em que nos encontramos, busca-se responder nesse artigo a seguinte pergunta: é crime sair de casa com o coronavírus?

A pergunta revela certa ambiguidade proposital, pois, a depender da circunstância do sujeito, as respostas são inteiramente diversas. Vejamos.

Primeiramente, tratemos do caso mais simples e menos provável. Uma pessoa que foi diagnosticada com a doença, tem pleno conhecimento disso e age com a finalidade de contaminar os demais.

Caso esta pessoa, sabidamente portadora do vírus COVID-19, pratique ato com a finalidade de propagar a doença, resta nitidamente configurado o crime previsto no art. 131 do Código Penal, perigo de contágio de moléstia grave (pena de um a quatro anos e multa). Este crime exige o elemento subjetivo especial, ou dolo específico, que é, em síntese, a vontade consciente do agente em transmitir a doença.

Embora a conduta deste sujeito também pudesse configurar outros crimes que abordaremos adiante, entendemos que, no caso descrito, pelo princípio da consunção, o crime mais grave (art. 131 do Código Penal) absorveria os demais.

A segunda possibilidade é de uma pessoa, não diagnosticada com a doença, mas que pratica ato em desacordo com as medidas de enfrentamento criadas pelo poder público.

A Lei 13.979/2020, combinada com a Portaria Interministerial 5, DE 17 DE MARÇO DE 2020, determina o caráter compulsório das medidas de enfrentamento e a possibilidade de imposição de sanção nos âmbitos cível, penal e administrativo. São as medidas:

Art. 3º  Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:                (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

I - isolamento;

II - quarentena;

III - determinação de realização compulsória de:

a) exames médicos;

b) testes laboratoriais;

c) coleta de amostras clínicas;

d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou

e) tratamentos médicos específicos;

IV - estudo ou investigação epidemiológica;

V - exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver;

VI - restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por rodovias, portos ou aeroportos;

VI - restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de:                (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

a) entrada e saída do País; e            (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

b) locomoção interestadual e intermunicipal;      (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

VII - requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; e

VIII - autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, desde que:

a) registrados por autoridade sanitária estrangeira; e

b) previstos em ato do Ministério da Saúde.

Destaca-se que em cada estado ou município da federação medidas específicas além[1] das supramencionadas podem ter sido editadas, razão pela qual é imperiosa a necessidade de se informar acerca das normas vigentes em cada local.

Pois bem, o desrespeito a estas normas de mitigação da propagação da doença pode acarretar a responsabilização penal pelos crimes de infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do Código Penal, pena de um mês a um ano e multa) ou até mesmo desobediência (art. 330 do Código Penal, de quinze dias a seis meses e multa).

Podemos citar exemplo recente de um empresário que foi preso preventivamente por supostamente divulgar uma festa denominada “corona trance”, a despeito das determinações do poder público para evitar aglomerações.

Até o presente momento, o Estado Brasileiro não impôs determinações mais drásticas, como impossibilidade de sair de casa sem motivos, sob pena de multa e de prisão, a exemplo da Itália.

Por fim, no terceiro e último caso, de um sujeito diagnosticado com corona vírus que descumpre alguma determinação, mas sem a finalidade de propagar a doença, a resposta é exatamente a mesma do segundo caso (art. 268 ou art. 330 do Código Penal). Contudo, poder-se-ia restar configurada hipótese de dolo eventual, ou seja, o agente não tem a intenção de produzir o resultado, mas assume o risco de fazê-lo. Nesta hipótese, a sanção penal seria a prevista no art. 131 do Código Penal.

Assim, andar na rua não é sinônimo de prisão e a quarentena não é obrigatória, mas o desrespeito às medidas de contenção impostas pelo país e respectivos estados e municípios configura crime. A resposta é provisória e passível de mudança, cabendo ao leitor atenção redobrada com eventuais alterações na situação jurídica atual pelo poder público.


[1] No caso do município de Belo Horizonte, as medidas foram regulamentadas, até o presente momento, pelo Decreto Nº 17298 DE 17/03/2020