Posso ser condenado se não sabia que estava cometendo um crime?

Não raras vezes nos deparamos com situações em que nos questionamos se a prática de determinada conduta configura ou não um crime. Por sorte, hoje dispomos de uma série de recursos que permitem o acesso a esse tipo de informação instantaneamente. Mas afinal, a prática de uma conduta criminosa por uma pessoa que desconhece o seu caráter ilícito pode isenta-la de uma condenação?

O art. 3° da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro é taxativo ao estabelecer que “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. Em outras palavras, ninguém poderá se eximir da responsabilidade penal ou de eventual condenação alegando o desconhecimento da lei. Todavia, essa normativa é absoluta?

Posso ser condenado se não sabia que estava cometendo um crime?

Erro inevitável e erro evitável

Pois bem.  O direito penal denomina o desconhecimento da lei como “erro sobre a ilicitude do fato” ou “erro de proibição”, encontrando-se tal instituto insculpido no art. 21 do Código Penal. O dispositivo estabelece que muito embora o desconhecimento da lei não possa eximir o agente de responsabilização, em se tratando de erro inevitável, fica isento o sujeito de pena. Em contrapartida, no caso do erro evitável, o sujeito poderá ter sua pena reduzida de um sexto a um terço.

Em suma, o erro de proibição se consolida quando o agente supõe que uma conduta é permitida pelo direito, quando na verdade não é. Ou seja, o indivíduo sabe o que faz, mas supõe de forma errônea que a conduta era permitida.

Como visto, tal desconhecimento pode resultar na isenção da pena do agente – mas apenas se no caso concreto não era possível exigir ao indivíduo, dadas as circunstâncias fáticas, possuir tal consciência.

Isso porque, mesmo desconhecendo a lei, ou a existência de determinado dispositivo em especifico, é possível que o agente esteja cercado de elementos que lhe deem condições de atingir a consciência sobre a incompatibilidade da conduta com o Direito.

Neste ponto, Zaffaroni[1] elenca três aspectos essenciais para análise do caso concreto:

  1. A possibilidade do agente se valer de algum meio idôneo de informação;

  2. Se a urgência na tomada da decisão lhe impediu de se informar ou refletir sobre a conduta;

  3. Se era exigível imaginar a criminalidade de sua conduta, o que não acontece quando, conforme sua capacidade intelectual, sua instrução ou treinamento, não tivesse motivos para presumi-la.

Para esclarecer melhor, passemos à análise de algumas situações fáticas:

Como primeiro exemplo, tem-se um turista holandês, habituado a consumir maconha no seu país de origem e, que acredita ser possível utilizar a mesma droga no Brasil, equivocando-se quanto ao caráter proibitivo de sua conduta.

Em que pese à ausência de consciência acerca da ilicitude do fato, ao levar em consideração as condições do indivíduo em relação ao acesso à informação e tecnologia, é possível dizer que esse seria um erro evitável. Desta forma, o agente poderia responder pelo crime cometido e, no caso de eventual condenação, ter a sua pena reduzida de um sexto a um terço.

Em um outro exemplo, imaginemos comunidades indígenas que vivem isoladas em relação ao resto da sociedade e que preservam costumes que contrariam a legislação.  Ora, não haveria como exigir-lhes potencial consciência da ilicitude que não está incorporada aos seus costumes e suas crenças e que, tampouco, haveria de se conhecer. Diz-se o erro de proibição escusável (inevitável). Nesse caso, isenta o agente de pena.

Veja que a suposição de que a conduta era permitida deve advir de elementos plausíveis de convicção – levando em consideração fatores externos sociais e culturais que envolvem aquela pessoa e não apenas o desconhecimento da lei ou de determinado artigo em específico.

Uma criança, por exemplo, não possui condições de entender a funcionalidade das leis. Provavelmente sequer sabe que existem, mas, em razão da educação que recebe dos pais, vai começando a questionar-se sobre seus atos.

É certo que a mesma não vai conhecer os elementos objetivos do crime de furto; todavia, ainda com pouca idade, já consegue discernir que o ato de apropriar-se de algo de outra pessoa é contrário às regras da sociedade que está imersa. Esse mesmo entendimento é aplicado ao direito penal.

Assim, ao ignorar a lei, o autor pode desconhecer a classificação jurídica, a quantidade da pena, ou as condições de sua aplicabilidade, possuindo, contudo, representação da ilicitude do comportamento e de sua reprovabilidade. Neste caso, o erro de proibição inescusável (evitável) não impede a responsabilização do agente, tampouco o exime de eventual condenação.

 

[1] ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro- Volume I, Parte Geral. Sexta Edição. São Paulo: RT, 2006, p. 570.