Desobedecer Oficial de Justiça: o que pode acontecer?

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 Todo mundo, pelo menos uma vez na vida, vai ter que se envolver com a “justiça”. Seja no inventário de algum parente próximo, seja para contestar uma multa ou mesmo naquela ação contra a companhia aérea que atrapalhou os planos de viagem da família. O fato é que, nos dias de hoje, é inevitável a uma pessoa ter algum grau de contato com o sistema judiciário.

Isso não é necessariamente ruim. Aliás, os Advogados contam com isso. Claro que no caso do Advogado Criminal, o envolvimento de um cliente com a matéria de sua especialidade – Penal – normalmente não é um indicativo de boas notícias. Mas mesmo no Direito Penal, ainda existem formas de contato do indivíduo com o judiciário que não ocorrem necessariamente em condições desagradáveis.

O que necessariamente acontece quando qualquer cidadão tem que lidar com o sistema jurídico é o contato direto com as ferramentas do aparato operacional do judiciário. São as citações, mandados, editais, alvarás, diligências, precatórias, avaliações, perícias e muitos outros instrumentos que trazem operacionalidade ao Poder Judicial.

No artigo de hoje, vamos explicar as consequências de uma relação conturbada com um dos mais essenciais desses instrumentos: o Oficial de Justiça e suas ordens.

O que faz o Oficial de Justiça?

O papel do Oficial de Justiça – ou Oficial do Juiz, no vocábulo mais popular – é trazer para o mundo externo a vontade do Estado, manifesta pelo magistrado. É claro que existem diversos outros servidores do próprio sistema judiciário, ou do poder público em geral, cujas funções envolvem a execução da vontade judicial (como analistas, assessores e até a polícia).

Mas na condução da grande maioria dos processos, é o Oficial de Justiça que realiza o trânsito de informações e o cumprimento de ordens.

Quando o magistrado decide que a pessoa vai fazer parte de um processo, é o Oficial de Justiça quem vai informá-la; quando a pessoa foi condenada, é o Oficial que traz a triste notícia; e quando um bem é apreendido, cabe ao Oficial conduzi-lo até seu depósito.

São situações como esta última, apreensão de bens, que mais comumente levam a episódios de conflito entre o cidadão e o Oficial de Justiça.

Na carreira de Advogado Criminal, notamos que, dentre os agentes públicos em geral, há um respeito e um temor maior da população por aqueles que compõe os quadros de algumas das polícias. Então, quando são policiais a executar as ordens judiciais, as negativas de cumprimento nos parecem ser menos frequentes.

Por outro lado, se a diligência é cumprida por Oficial de Justiça, infelizmente a resistência parece maior ou, pelo menos, mais comum.

Contudo, negar-se a obedecer a ordem do Oficial de Justiça pode trazer consequências iguais ou piores do que desobedecer a um policial.

O que diz o STF sobre não obedecer o Oficial de Justiça

É claro que, quando falamos em consequências jurídicas de um ato, são as circunstâncias fáticas do evento, que dirão o que pode ou não pode acontecer a partir dele.

Por isso, quando um Advogado Criminal precisa explicar uma relação de causa e efeito no Direito, geralmente usamos o exemplo de alguma causa anterior. Para o assunto de hoje, serve-nos o Habeas Corpus 169417/SP, julgado sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, no STF, em 28 de abril deste ano.

Neste exemplo, o cidadão recusou-se a cumprir a ordem, dada pelo Oficial de Justiça, de entregar seu automóvel. Daí o Supremo Tribunal Federal desenhou um “padrão” de consequências possíveis.

A primeira delas foi a possibilidade de condenação do indivíduo pelo crime de desobediência (art. 330 do Código Penal). Tal conclusão nos é particularmente interessante, porque diferencia esse enquadramento, de outros e especialmente de um que é muito frequente na relação entre particular e Estado: o desacato.

Desobediência ou desacato?

A grande maioria das demandas criminais que nos chegam envolvendo um agente público e um particular traz um episódio do desacato (art. 331 do Código Penal). Certamente é possível existir outros crimes envolvendo esses dois personagens. Mas o desacato, que é a falta de respeito com o agente público ou com a função desempenhada por ele, é, sem sombra de dúvidas, o mais frequente.

Mas talvez por ser a situação mais comum, é que vários Boletins de Ocorrência e Inquéritos enquadram erroneamente como desacato situações que não trazem propriamente a falta de respeito do particular.

Daí o primeiro ponto positivo da decisão do Supremo: comete especificamente o crime de desobediência e não qualquer outro, aquele que não cumpre a ordem o Oficial.

Dentre as muitas consequências dessa orientação, a mais imediata é a de não se impor uma pena tão alta àquele que desobedece o Oficial de Justiça. Por exemplo, enquanto no desacato temos detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, a desobediência prevê uma pena de detenção, de quinze dias a seis meses, e multa,

Certamente não esperamos que isso seja um estímulo à desobediência dos Oficiais de Justiça. Mesmo porque ainda é possível que uma situação concreta traga o cenário do indivíduo que, além de desobedecer a ordem, trata com desrespeito o Oficial, cometendo também o desacato.

De modo que, especificamente quanto à conduta de não atender à ordem dada, é acertado o enquadramento no crime do art. 330.

Outras consequências jurídicas

A incidência no crime de desobediência, do artigo 330 do Código Penal, pode gerar reincidência, maus antecedentes e obrigar ao pagamento de multa. Todavia, aquele que se nega a cumprir ordem dada pelo Oficial de Justiça pode sofrer ainda outras consequências jurídicas, não previstas na legislação penal.

Lembramos novamente que é sempre o caso concreto que permite fazer o diagnóstico mais acertado.

Mesmo assim, vale deixar anotado o entendimento do Ministro Marco Aurélio, sobre a situação daquele cidadão que não entregou seu automóvel ao Oficial: além do crime de desobediência, ele cometeu também ato atentatório à dignidade da justiça (art. 77, IV, do Código de Processo Civil).

Há, para este caso, a previsão de uma multa processual (art. 77, § 2º). Tudo isso, isso, somado às consequências da condenação criminal, pode levar a altíssimos prejuízos pessoais e patrimoniais. Saiu caro falar não para o Oficial do Juiz.