Abordagem policial: posso ser revistado pela polícia?

Conforme expresso no §2° do art. 240 e no art. 244, ambos do Código de Processo Penal, proceder-se-á à busca pessoal, independente de mandado judicial, quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos e papéis que constituam corpo de delito[1].

O legislador é taxativo quando estabelece a necessidade de fundada suspeita nas hipóteses em que admite a busca e apreensão pessoal independente de mandado judicial. E em termos de fundada suspeita, exigem-se indícios e elementos concretos que justifiquem a abordagem.

Abordagem policial: posso ser revistado pela polícia?

A norma constante nos artigos 240 e 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como “rotina” ou “praxe”, com finalidade preventiva ou motivação investigatória, mas apenas buscas pessoais com finalidade probatória e devidamente motivadas.

Assim, não satisfazem a exigência da lei, por si só, meras informações de fontes não identificadas ou, sobretudo, intuições e impressões subjetivas de policiais não demonstráveis de maneira clara e concreta.

O entendimento do STJ

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 19 de abril de 2022, entendeu, por unanimidade, que se considera ilegal a revista policial pessoal ou veicular, sem mandado judicial, motivada unicamente na atitude suspeita do individuo[2].

No caso analisado pelo STJ, os policiais militares abordaram o réu quando ele dirigia sua moto, sob a justificativa de que ele estaria em “atitude suspeita”, sendo encontrado durante a operação 50 porções de maconha e 72 de cocaína, além de uma balança digital.

Ao analisar o recurso em habeas corpus, o Ministro Relator Rogerio Schietti Cruz salientou a ausência de descrição sobre o que teria motivado a suspeita do policial no momento da abordagem – uma vez que tal justificativa deve se relacionar necessariamente a probabilidade de que o individuo esteja na posse de drogas, armas ou outros objetos ilícitos, evidenciando-se a urgência para a diligência.

Destacou que a classificação de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou, ainda, de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche a exigência do art. 244 do CPP. Do contrário, seria conferida aos agentes de segurança uma “carta branca” para abordagens e revistas exploratórias baseadas em suspeição genérica, sem relação específica com a posse de itens ilícitos.

Pontuou que o fato de terem sido encontradas drogas durante a revista não é capaz de sanar a ilegalidade prévia, pois a "fundada suspeita" que justificaria a busca deve ser aferida "com base no que se tinha antes da diligência".

Com efeito, diante da ausência de descrição sobre o que teria motivado a suspeita no momento da abordagem, o ministro afirmou que não é possível acolher a justificativa para a conduta policial e que a desobediência às regras e condições legais para busca ou revista pessoal resultam na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem assim das demais provas que delas decorrerem.

Por unanimidade, a turma julgadora concedeu o habeas corpus para reconhecer a ilicitude das provas obtidas com base na busca realizada e, consequentemente, trancar o processo penal instaurado em desfavor do réu acusado de tráfico de drogas.

Uma das razões motivadoras para a decisão do STJ é respaldar a legalidade das ações policiais para evitar a ação arbitrária dos agentes de segurança, sobretudo de práticas – ainda que nem sempre conscientes – que reproduzem preconceitos na sociedade, reflexo direto do racismo estrutural.

"Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos marginalizados e considerados potenciais criminosos ou usuais suspeitos, assim definidos por fatores subjetivos como idade, cor da pele, gênero, classe social, local da residência, vestimentas etc", declarou Schietti.

 

[1] Conjunto de elementos materiais ou vestígios que indicam a existência de um crime.

[2] STJ, RHC nº 158580 / BA (2021/0403609-0), Min. Relator Rogerio Schietti Cruz, julgado em 19/04/2022.