Ofensas a direitos LGBTQIAPN+ são equiparadas a crime de injúria racial

Em junho de 2019, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que houve omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia, em julgamento histórico que marcou a relevância da atuação jurisdicional na salvaguarda dos direitos LGBTQIAPN+.

Nesse julgamento, houve o inédito o enquadramento da homotransfobia no tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989), ao menos até que o Legislativo edite lei sobre a matéria – o que não ocorreu até então.

O reconhecimento do racismo homofóbico e transfóbico pela Corte baseou-se no conceito social de racismo – segundo o qual “o racismo traduz valoração negativa de certo grupo humano, tendo como substrato características socialmente semelhantes, de modo a configurar uma raça distinta, a qual se deve dispensar tratamento desigual da dominante”.

A partir dessa premissa, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a mora inconstitucional do Congresso Nacional em relação à criminalização específica dos crimes de discriminação por identidade de gênero e orientação sexual, além de conferir interpretação conforme ao termo raça, assentando que a discriminação por identidade de gênero e orientação sexual são espécies de racismo por raça, puníveis segundo as determinações da Lei 7.716/96.

Nos termos da Lei do Racismo:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.  (LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989, define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.)

Ofensas a direitos LGBTQIAPN+ equiparadas a crime de injúria racial

Assim, qualquer ato discriminatório em razão da sexualidade de alguém foi jurisprudencialmente enquadrado na Lei do Racismo, nos termos do art. 1º e seguintes. As penas chegam a 5 anos e podem envolver multa.

Todavia, em que pese a ofensa contra grupos LGBTQIAPN+ se configurar racismo a partir desse julgado, a ofensa à honra de pessoas pertencentes a esses grupos vulneráveis não configuraria o crime de injúria racial (artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal).

  Injúria

 Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência: (Redação dada pela Lei nº 14.532, de 2023)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.       (Redação dada pela Lei nº 14.532, de 2023)

E é por isso que mais recentemente, em 22/08/2023, o Supremo entendeu que, vez que a discriminação por identidade de gênero e orientação sexual configura racismo, a prática da homotransfobia pode configurar crime de injúria racial.

O entendimento que prevaleceu foi o do relator Edson Fachin, sendo vencido o ministro Cristiano Zanin, que entendeu pelo não conhecimento do recurso tendo em vista uma questão processual, vez que o julgamento se deu no âmbito de embargos de declaração.

Em seu voto pelo acolhimento do recurso, o relator, ministro Edson Fachin, explicou que, no julgamento do Habeas Corpus (HC) 154.248, também de sua relatoria, o STF já havia reconhecido que o crime de injúria racial é espécie do gênero racismo e, portanto, é imprescritível. Essa posição também foi inserida na legislação pelo Congresso Nacional por meio da Lei 14.532/2023.

O reconhecimento do racismo homofóbico e transfóbico pela corte baseou-se no conceito social de racismo adotado no julgamento histórico do HC 82.424, segundo o qual 'o racismo traduz valoração negativa de certo grupo humano, tendo como substrato características socialmente semelhantes, de modo a configurar uma raça distinta, a qual se deve dispensar tratamento desigual da dominante'.

O relator ainda fundamentou seu voto afirmando que uma intepretação hermenêutica que restringe a aplicação de uma decisão — e, no caso, mantém desamparadas as vítimas de racismo transfóbico — "contraria não apenas o acórdão embargado, mas toda a sistemática constitucional".

Dessa forma, tendo em vista que a injúria racial constitui uma espécie do crime de racismo, e que a discriminação por identidade de gênero e orientação sexual configura racismo por raça, a prática da homotransfobia pode configurar crime de injúria racial.

Dessa forma, o Judiciário vem dando sua contribuição para a equiparação de direitos de grupos historicamente discriminados, como a comunidade LGBT+, em temas relacionados ao direito de família ou previdenciário.

Vê-se tal equiparação ao racismo ou à injúria racial como uma forma de coibir a impunidade do tema no Brasil, tendo em vista que a matéria ainda não tem lei penal específica.