Coronavírus: Habeas Corpus e prisões domiciliares

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Entenda a importância das recentes decisões e recomendações do poder judiciário para a população carcerária e para a saúde coletiva

No dia 11 de março de 2020, a OMS declarou situação de pandemia em virtude da doença infecciosa viral causada pelo agente coronavírus (COVID 19). Desde então, se multiplicaram medidas e campanhas de prevenção por iniciativa dos órgãos estatais, entes privados e da própria população. Nessa última semana, em especial, foi possível verificar uma intensa preocupação e tomada de decisões do poder judiciário em relação à população carcerária, o que deu ensejo a um incontável número de habeas corpus e concessões de prisões domiciliares.

Essa preocupação se justifica pela precariedade e superlotação das instituições prisionais, as quais não possuem condições sanitárias ou estrutura adequada para prevenir a infecção e propagação do vírus. Pelo contrário, o sistema carcerário brasileiro concentra atualmente todas as características que favorecem a transmissão do vírus, as quais inclusive deram causa ao reconhecimento de “estado de coisas inconstitucionais” pelo STF, quando do julgamento da ADPF 347.

Ciente dessa situação e do risco que ela representa a toda sociedade, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais expediu, no dia 16/03/20, a Portaria Conjunta no 19, direcionada aos Juízes das Varas de Execução do estado, recomendando, principalmente, o reencaminhamento dos presos em regime aberto e semiaberto, bem como dos devedores de pensão alimentícia à prisão domiciliar. 

Além disso, recomendou-se a revisão de todas as prisões cautelares e da situação dos presos que se enquadram no grupo de risco (pessoas idosas, gestantes, portadores de doenças crônicas, imunossupressoras, respiratórias e outras comorbidades capazes de conduzir ao agravamento do estado de saúde, em especial, diabetes, tuberculose, doenças renais, HIV e coinfecções) com o intuito de verificar a possibilidade de aplicação de medidas alternativas. Foi indicada, ainda, a necessidade de suspensão do comparecimento periódico ao juízo e demais estabelecimentos pelo prazo de 60 dias.

Importante ressaltar que essa portaria não prevê qualquer tipo de restrição em relação aos crimes praticados pelos sentenciados para a concessão da prisão domiciliar, a única hipótese de não cabimento diz respeito aos presos que respondem a processos disciplinares por suposta falta grave. 

Contudo, deve-se ter a consciência de que não se trata de uma concessão de benefícios de forma generalizada e indiscriminada à população carcerária, pelo contrário, a portaria figura como um norte para a atuação dos Juízes de Execução, os quais analisarão, caso a caso, a possibilidade ou não de reencaminhamento à prisão domiciliar ou de substituição das prisões cautelares por medidas alternativas. Além disso, essa avaliação poderá ocorrer de ofício, por iniciativa do próprio magistrado, ou mediante provocação, isto é, em resposta a pedido efetuado por advogado.

Além das recomendações do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o Conselho Nacional de Justiça também promulgou, no dia 17/03/20, a Recomendação no 62, que traz orientações similares àquelas previstas na Portaria no 19, sendo em alguns aspectos mais abrangente (traz disposições relacionadas a necessidade de revisão das medidas socioeducativas, impostas aos adolescentes pelo Juízo das Varas de Infância e Juventude) e em outros mais restritiva (limita em certos aspectos a revisão de prisões cautelares impostas a réus cujos crimes apurados tenham sido praticados com violência ou grave ameaça).  

Tais recomendações deram origem a uma série de habeas corpus, impetrados perante o TJMG, bem como pedidos dirigidos aos próprios Juízes das Varas de Execução de cada comarca, os quais, em sua maioria, caso verificadas as condições e hipóteses previstas na portaria, têm sido deferidos pelo poder judiciário. 

Nesse sentido a decisão proferida no Habeas Corpus no 1.0000.20.029958-4/000, na qual o Excelentíssimo Desembargador Flávio Batista Leite deferiu a substituição de prisão preventiva por prisão domiciliar, cumulada com medida cautelar de monitoração eletrônica, em virtude do risco de infecção por coronavírus e da Portaria no 19. Ressalta-se que esse mesmo pedido havia sido negado anteriormente pela 1a Câmara Criminal, de modo que a alteração do entendimento se deu em virtude da situação de pandemia vivenciada no presente momento.

Outra importante decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, diz respeito ao deferimento da liminar no Habeas Corpus Coletivo no 1.0000.20.032967-0/000, impetrado pela Defensoria Pública de Minas Gerais, em favor de todos os presos devedores de alimentos, que autorizou o reencaminhamento dessas pessoas ao regime de prisão domiciliar pelo prazo de 30 dias.

As referidas recomendações e decisões do poder judiciário visam, portanto, resguardar a população carcerária e o Estado, a quem compete a responsabilidade pela integridade das pessoas privadas de liberdade, bem como a saúde coletiva, tendo em vista o alto potencial de propagação interno e externo do vírus caso constatadas infecções nos estabelecimentos prisionais. Dessa forma, devem ser interpretadas como necessárias e de suma importância para a proteção não só das pessoas acauteladas pelo estado, mas de toda a população.

Texto produzido em 20/03/20, sujeito a atualizações em virtudes de decisões e medidas posteriores.